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segunda-feira, maio 29, 2006

Soneto do amor difícil

A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa...

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de súbito surgido à flor dos limos.

E deste amor difícil só nasceu
desencanto na curva do teu céu.

David Mourão-Ferreira

domingo, maio 21, 2006

Autopsicografia

O Poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que a eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa

terça-feira, maio 02, 2006

A Amizade no Deserto

Diz uma linda lenda árabe que dois amigos viajavam pelo deserto e em determinado ponto da viagem tiveram uma discussão e um deles esbofeteou o outro na face. O outro, ofendido, sem nada dizer, escreveu na areia: Hoje, o meu melhor amigo bateu-me no rosto.
Seguiram e chegaram a um oásis onde resolveram tomar banho e refrescar-se. O que havia sido esbofeteado começou a afogar-se sendo salvo pelo amigo. Ao recuperar o fôlego pegou num estilete e escreveu numa rocha:Hoje, o meu melhor amigo salvou-me a vida.

Moral da História:
Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever na areia onde o vento do esquecimento e do perdão se encarregam de apagar; porém quando nos faz algo grandioso, devemos gravar na pedar da memória do coração onde vento nenhum do mundo poderá apagar.